sexta-feira, 17 de julho de 2020

La Dictadura Nazi: problemas y perspectivas de interpretación

O livro do historiador britânico Ian Kershaw é um excelente guia para os interessados neste tema tão complexo que é o nazismo e seus significados. A obra é composta por dez capítulos que versam sobre questões diversas do regime tais como: a essência do nazismo: uma forma de fascismo, um tipo de totalitarismo ou um fenômeno único? ou ainda, Hitler e o Holocausto...Kershaw não se furta também a inserir um debate sobre as perspectivas historiográficas no período posterior à unificação para apresentar aos leitores as mudanças de perspectivas de análise ocorridas ao longo do tempo. Os pontos discutidos por Kershaw nesta obra a torna uma leitura indispensável aos estudantes do século XX pois eles se relacionam com os fenômenos que marcaram os anos 1930 e 1940 cujas consequencias se fazem sentir até a atualidade. Sobretudo merece destaque a densa e rica bibliografia comentada pelo autor ao longo do trabalho e suas notas sobre os assuntos em debate. Os problemas e as perspectivas de interpretação deste movimento político são elencados e esclarecidos pelo estudioso que não deixa de apontar qual o caminho ele pensa ser o menos controverso para o enfrentamento dos objetos de pesquisa que se vinculam ao regime alemão. Longe de tentar apreender os acontecimentos por meio de uma chave de análise simplista, Kershaw discorre sobre os intrincados eventos recordando que "a questão de distribuir culpas, pois, ofusca a verdadeira pergunta que o historiador tem que responder: precisamente como foi que o genocídio chegou a ocorrer, como foi que um ódio desequilibrado, paranóide e uma visão milenar se converteu em realidade e foi implementada como horrível prática de governo". Uma vez mais, são as perguntas e não as respostas a chave para a interpretação deste período histórico. Enfrentar os como, os de que maneira, os caminhos da técnica são os desafios de quem se debruça sobre este momento na história contemporânea. Que tenhamos sempre um guia seguro como este livro para suscitar estas questões mobilizadoras! 

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Negação, de Deborah E. Lipstadt

  Imagine ter que provar que o Holocausto existiu, nas barras dos tribunais. Esta é a história real contada neste livro e em um filme de igual nome lançado há algum tempo. O livro narra o embate que colocou frente à frente David Irving, um dos maiores especialistas em algumas temáticas da Segunda Guerra Mundial e a professora Deborah E. Lipstadt, docente de Judaísmo Moderno e diretora do Institute for Jewish Studies, da Universidade Emory. O que estava em jogo neste julgamento que aconteceu na Inglaterra - onde, pasmem, o réu precisa apresentar as provas daquilo que escreveu - era não apenas se o texto da professora Lipstadt que tratava do Holocausto era real mas também sobre o movimento negacionista desse acontecimento histórico. Ao longo do século XX, em várias ocasiões o negacionismo, ou seja, o movimento que afirmava que o Holocausto não teria ocorrido, mostrara sua face. O processo que colocava frente a frente os dois professores era também, de certa forma, uma avaliação sobre um acontecimento histórico e sua representatividade ao longo do tempo! Testemunhas foram convocadas para depor a favor de Irving e de Deborah, o que transformou o tribunal numa espécie de sala de debates de estudos europeus sobre a solução final. Por horas a fio, grandes nomes da historiografia da Endlösung como Christopher Browning e Richard Evans discutiram com David Irving ponto a ponto das estratégias dos alemães para o assassínio bem como desmontaram sua versão sobre os fatos. O veredito do juiz, transcrito pela vitoriosa professora, deixa claro o peso que o relato dos peritos no tema teve para balizar a decisão: "O tratamento dispensado por Irving às provas históricas é tão perverso e flagrante que se torna difícil aceitar que sejam inadvertências de sua parte. (...) Ele deliberadamente perverteu as provas para adequá-las às suas convicções políticas". A vitória de Lipstadt no processo longe simboliza uma condenação severa aos negacionistas. Contudo, na contemporaneidade, não se pode esquecer que um terço das pessoas dizem nunca ter ouvido falar neste tema. Por isso, guardar os relatos dos sobreviventes e retomar as temáticas referentes à este período histórico são fundamentais para que, ainda que reste apenas um testemunho, como disse certa vez o historiador italiano Carlo Ginzburg, possamos restabelecer os indícios que dão conta de uma das páginas mais perturbadoras da história contemporânea.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

A direita toma o poder, de William Sheridan Allen

 Publicado pela Editora Saga, do Rio de Janeiro, em 1969, o livro de William Sheridan Allen, jovem  historiador americano, tratava de um assunto deverasmente interessante. Ao invés de buscar as raízes do nazismo nos grandes centros da Alemanha ou mesmo de pensar como o país se rendera a Hitler, a ideia era tentar compreender como se deu o processo de ascensão do nacional-socialismo um uma cidade de pequeno porte, que o autor nomeou, ficticiamente, de Thalburg. As fontes utilizadas por ele vão desde entrevistas com moradores da cidade como dados estatísticos além da imprensa periódica local e regional. O livro foi dividido em duas partes: a primeira, A morte da democracia (janeiro de 1930 a janeiro de 1933); a segunda, Introduzindo a ditadura (janeiro de 1933 a janeiro de 1935). A morte da democracia evidencia como os alemães foram cedendo espaço em temas fundamentais para a sustentação do regime democrático às práticas nazistas. Inaceitáveis na teoria, elas passaram a contar com a anuência tácita das autoridades locais e regionais, o que contribuiu para o crescimento exponencial do movimento naquela cidade. O autor demonstra os efeitos da depressão oriunda das crises da década de 1920 e suas consequencias para a política do KPD (Kommunistiche Partei Deutschlands) e do SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands) além de apresentar como, aos poucos, os agitadores nazistas conseguem roubar as bandeiras dos demais partidos e impor sua visão de mundo. Em uma cidade de 10 mil habitantes ganha destaque, ainda, a forte penetração da ideologia nazista no campo religioso, com ampla maioria de luteranos. Muitos pastores esposam o nazismo como forma de recusar o comunismo ateu e outras ideologias que não davam conta do anseio nacionalista. A segunda parte apresenta ao leitor os mecanismos construídos pelos nazistas para reorganizar a sociedade alemã de acordo com os princípios estabelecidos por Hitler. Além de deixar claro que os espaços para o contraditório foram amplamente atacados e arrasados, o autor destaca como o regime mobilizou a imprensa escrita para este fim. Como uma das fontes utilizadas por William Sheridan Allen é o jornal, ele consegue evidenciar estas alterações de maneira bastante contundente e clara. Ele lembra, neste caso, que "os nazistas se aproveitavam do fato de que aquilo que o homem acredita é mais importante do que o que realmente acontece". Uma outra contribuição essencial da obra de Allen é explicar ao leitor como a Gleichschaltung foi aplicada, na prática. Eliminar todas as antigas organizações de classe que existiam antes da chegada do nazismo ao poder foi uma das estratégias utilizadas pelos novos mandatários que, em seis meses, destruíram todas elas e criaram outras, nacional-socialistas, às quais todos deveriam fazer parte. O autor destaca que "nenhuma das medidas nazistas nos primeiros seis meses do Terceiro Reich teve efeito final maior que a Gleichschaltung" e que o resultado eram os "thalburguenses transformados na espécie de massa desorganizada que os ditadores adoram". Ao elaborar o roteiro dos ataques nazistas às organizações de classe, o autor mostra, por exemplo, como uma delas, a dos professores, foi cooptada para os fins pedagógicos da ideologia na escola. A obra traça um panorama completo não apenas da violência imposta aos opositores mas também da vibração dos moradores com os resultados econômicos positivos dos primeiros anos do regime. Ao final, Allen deixa uma mensagem que compartilho com vocês: "O problema do nazismo era primariamente um problema de percepção. A este respeito, as dificuldades de Thalburg, e o destino de Thalburg deverão possivelmente ser compartilhados por outros  homens, em outras cidades, nas mesmas circunstâncias. O remédio não será encontrado facilmente". 

quarta-feira, 13 de maio de 2020

As Benevolentes, de Jonathan Littell


Um livro arrebatador. Escrito em primeira pessoa, a obra desperta várias emoções nos leitores. Do ódio extremo ao nojo absoluto. As comparações com o livro de Tolstoi, Guerra e Paz, fazem todo sentido pois que aqui é possível acompanhar todo o desenrolar do conflito teuto-soviético entre os anos 1941 e 1945 do século passado. Trata-se de acompanhar, portanto, não apenas as estratégias da Wehrmacht para a invasão e ocupação da URSS. Mas, principalmente, de vislumbrar, a partir de um ponto de vista inédito, a perpretação dos crimes contra a humanidade efetuados pelos alemães em suas ações circunscritas na Endlösung, ou solução final do problema judaico no leste europeu. Os capítulos tem títulos que evocam música e esses ritmos se misturam às sensações que os leitores experimentam ao longo das quase novecentas páginas do livro. É certamente uma leitura essencial para todos os que se debruçam sobre o tema da guerra pois permite que reflita-se sobre os inúmeros casos de alemães que vivenciaram semelhante destino ou tiveram igual sorte. Riquíssima é também não apenas as descrições dos ambientes e das cidades elaborados pelo autor mas também as características psicológicas dos personagens e seus sofrimentos diante da guerra. Max Aue, personagem principal, foi construído magistralmente por Jonathan Littell e suas revelações ao longo do livro explicitam os embates morais de parte da humanidade envolvida nas trevas de um conflito que parecia sem fim. No limite, em diversas ocasiões, fica nítido como a guerra não poupa ninguém e que, incontáveis vezes, é apenas a sorte quem coloca a pessoa certa no lugar certo. Um percurso permeado por descobertas, do início ao fim, a obra termina por arrancar o leitor de um possível final clichê para o oposto disso: uma inflexão moral sem precedentes. É um livro aterrador e arrebatador. Uma leitura que merece ser feita lentamente para que tentemos refletir sobre tudo o que esse homem da SS tem a dizer. Dura lição do século XX aos amantes do progresso e da paz!

quinta-feira, 16 de abril de 2020

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Terceiro Reich: na história e na memória, de Richard J. Evans

A obra em questão, publicada no Brasil em 2018, é uma ótima oportunidade de aprendizado para todos aqueles que se interessam pela temática da Segunda Guerra Mundial e da experiência nacional-socialista, em particular. O historiador inglês Richard J. Evans, dono de uma vasta gama de livros sobre o assunto, pontua nesta ocasião, diversos conceitos e viradas historiográficas que ocorreram ao longo do período pós-Segunda Guerra. O autor dividiu a obra em sete capítulos e cada  um deles possui uma série de outras subdivisões que apresentam as observações de Evans sobre os assuntos mais variados tais como: a economia alemã, a solução final e a produção do Fusca dentre outros. O maior valor do livro, todavia, não reside na variedade das temáticas mas sim nas atualizações historiográficas que o autor avalia e discute. Temas como Zustimmungsdiktatur (ditadura por consenso) e a Volksgemeinschat (comunidade do povo), para dar apenas um exemplo, são expostos e debatidos com base nas leituras de Evans dos autores mais expressivos. O autor não se furta a criticar, todavia, com veemência os trabalhos de seus colegas da academia, como fez com o odioso trabalho de Daniel J. Goldhagen (Os carrascos voluntários de Hitler, 1997) e, para surpresa de muitos, de Timothy Snyder (Terras de sangue: a Europa entre Hitler e Stalin, 2012). Seja apontando as generalizações, as dubiedades ou, ainda, o desconhecimento de alguns autores sobre a historiografia de língua inglesa sobre determinado assunto, Evans não teme polêmicas e atua com bastante rigor em suas críticas, sempre muito pertinentes e fundamentadas. Uma decepção é o tratamento da questão da memória, pouco presente nos capítulos do livro e destacada na capa. Essa ausência resulta em perda muito maior quando se imagina o que um historiador como Evans poderia propor ao analisar um tema dessa natureza embasado nas discussões historiográficas que ocorreram ao longo do tempo! Entretanto, trata-se de uma obra muito interessante que, ao longo de suas quase 500 páginas, discorre sobre os temas mais debatidos na historiografia com rigorosa e densa análise. É praticamente um Reader daqueles que o leitor encontrava uma bibliografia comentada sobre algum grande tema. E valerá muito à pena consultá-lo, sempre! 

segunda-feira, 6 de abril de 2020

A eterna encruzilhada brasileira: autoritarismo, totalitarismo e democracia, de Leonardo Dallacqua de Carvalho e Luiz Alves A. Neto (orgs), 2019.



Publicada em 2019, a obra coletiva organizada por Leonardo Dallacqua e Luiz Alves Neto conta com a participação de vários autores que se propõem a pensar o autoritarismo, o totalitarismo e a democracia nos mais distintos campos de pensamento e atuação. Participo deste esforço com um capítulo onde procuro demonstrar como Mário Graciotti confeccionava o periódico Inteligência, cuja inspiração ele havia buscado em uma revista francesa que circulava em São Paulo, a Le Mois. A obra pode ser encontrada aqui: 

Inteligência: representações do cenário internacional e seus reflexos no Brasil 1935-1941, meu mesmo.



Fruto da pesquisa de doutorado, a obra analisa a trajetória do mensário paulistano Inteligência: mensário da opinião mundial e o insere no campo de estudos da história da imprensa no Brasil. Perpassando o cenário político (inter)nacional, o autor discorre sobre o trabalho editorial de Mário Graciotti, jornalista nascido em São Paulo no final do século XIX e que atuou em várias frentes da direita brasileira nos conturbados anos 1930-1940.







A invenção dos Direitos Humanos: uma história

Nos tempos coléricos que ora atravessamos, o próprio título do livro já causaria pavor em muitos cidadãos brasileiros. Esta sensação nasce, todavia, da ignorância daqueles que relacionam os Direitos Humanos à proteção de criminosos. Nada mais incoerente! Fruto de uma meticulosa pesquisa da historiadora norte-americana Lynn Hunt, cuja obra os pesquisadores brasileiros conhecem há anos, o livro responde à uma necessidade real do presente: debater e, principalmente, explicar sobre o contexto no qual tais garantias foram consideradas essenciais para o desenvolvimento da humanidade em geral. 


Depois da queda: o fracasso do comunismo e o futuro do socialismo, de Robin Blackburn (org).

Para os historiadores brasileiros, é sintomático que recentemente o comunismo tenha angariado tantos detratores em pleno século XXI. Envenenado pelo cenário de polarização política experimentado nos últimos anos por herdeiros deste embate ideológico da centúria passada, o debate acerca da política comunista e das características deste regime foram trazidos novamente à tona. Para tentar compreender este momento de ruptura, buscamos a leitura desta obra que conta com grandes nomes de pesquisadores e intelectuais que se propuseram, no meio do furação que representou o fim da experiência comunista na URSS e países satélites do leste europeu, analisar a conjuntura e as consequências que aquele fato traria para o futuro da humanidade e para o horizonte de expectativas políticas de uma grande parte da população mundial. Os textos foram escritos no calor da hora o que, todavia, não retira deles a densidade das análises propostas por nomes como Norberto Bobbio, Frederic Jameson e Eric Hobsbawm. Deste último, destacamos um excerto para demonstrar como este pensador do "breve século XX" refletiu sobre os desafios do futuro: "o que podemos dizer do vigésimo primeiro é que terá de enfrentar pelo menos três problemas, que estão piorando: o crescente alargamento da distância entre o mundo rico e o pobre (e provavelmente dentro do mundo rico, entre os seus ricos e seus pobres); a ascensão do racismo e da xenofobia; e a crise ecológica do globo que nos afetará a todos". O livro é uma ótima oportunidade para aprender como foi ocorreu o fracasso do comunismo em meio à uma batalha de propagandas, armas e tecnologias que transformaram o mundo no período pós-Segunda Guerra Mundial. As contribuições dos autores permitem ao leitor passar de uma rede de fake news e estigmas políticos que grassam aos borbotões na contemporaneidade a uma compreensão real dos fenômenos que contribuíram para a decadência do comunismo. Mas e o socialismo? É também Hobsbawm que renova as esperanças de um "renascimento das cinzas" do socialismo no futuro. Para ele, no capítulo de encerramento da obra, os socialistas sempre defenderam uma outra sociedade, aquela que "não é apenas capaz de salvar a humanidade de um sistema produtivo que escapou ao controle, mas uma sociedade em que as pessoas possam viver vidas dignas de seres humanos: não apenas no conforto, mas juntos e com dignidade. É por esse motivo que os socialismo ainda tem um programa 150 anos após o manifesto de Marx e Engels".