segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Certa vez fui obrigado, numa destas muitas redações da vida, a escrever sobre o poder das palavras. Fiquei um tempo considerável me contorcendo entre os chavões diuturnos e as besteiras desesperadas. Por fim, escrevi sobre o terror que algumas palavras impõem nas pessoas. Até que, anos depois, deparei-me com este livro. O tema e o título já me chamaram a atenção: LTI, a linguagem do Terceiro Reich. Desde a oitava série que o Terceiro Reich despertou minha atenção. Não entendia nada do poder de atração do nazismo, nem de como a sociedade alemã (Land des ideen) sucumbira diante do movimento hitlerista. O livro de Victor Klemperer lança muitas luzes sobre tais questões. A tese principal é que "o nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e mecanicamente". Para ele, a partir do momento que as vítimas do nazismo passaram a se utilizar do vocabulário do algoz, estava selada a vitória do movimento. Vale destacar que o argumento do autor se baseia em suas pesquisas no campo da filologia, área a qual se dedicava antes da chegada de Hitler ao poder. O livro é permeado de exemplos que evidenciam ao leitor, a todo instante, o poder da tese apresentada logo no prefácio: judeus, comunistas, todos foram bombardeados pela imprensa controlada pelo partido e acabaram se utilizando dos mesmos termos que os nazistas na batalha que se travava interna e externamente. A capa da edição alemã trouxe a figura do "dr." Goebbels, que liderava o Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda, criado para mimetizar os alemães. Os discursos de Goebbels durante os espetáculos que se tornaram os comícios e encontros políticos antes e, principalmente, depois do início da guerra, revelam o poder de manipulação - palavra que inquieta - que o dom da oratória conferia aos líderes do movimento. A obra deste filólogo narra com detalhes a ascensão de palavras que foram ressignificadas para articular-se melhor ao ambiente desejado por Goebbels e Hitler. Mesmo entre os judeus, de acordo com Klemperer, havia as palavras maculadas, como privilegierten, termo que se referia aos judeus casados com alemães e que tiveram suas vidas poupadas, num primeiro momento. A obra acompanha a ascensão e a queda do Terceiro Reich e demonstra como os termos utilizados mudam ao longo do tempo. Indispensável a qualquer estudioso do século XX, o livro de Victor Klemperer pode ser lido, ainda, como testemunho e memória de um sobrevivente de um dos períodos mais conturbados e violentos da história contemporânea. Sua advertência, até hoje é válida: "Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar". Creio que o livro e as indagações do autor seriam de grande auxílio a qualquer estudante que hoje se perguntasse: e a palavra? ela tem algum poder?