segunda-feira, 25 de maio de 2020

A direita toma o poder, de William Sheridan Allen

 Publicado pela Editora Saga, do Rio de Janeiro, em 1969, o livro de William Sheridan Allen, jovem  historiador americano, tratava de um assunto deverasmente interessante. Ao invés de buscar as raízes do nazismo nos grandes centros da Alemanha ou mesmo de pensar como o país se rendera a Hitler, a ideia era tentar compreender como se deu o processo de ascensão do nacional-socialismo um uma cidade de pequeno porte, que o autor nomeou, ficticiamente, de Thalburg. As fontes utilizadas por ele vão desde entrevistas com moradores da cidade como dados estatísticos além da imprensa periódica local e regional. O livro foi dividido em duas partes: a primeira, A morte da democracia (janeiro de 1930 a janeiro de 1933); a segunda, Introduzindo a ditadura (janeiro de 1933 a janeiro de 1935). A morte da democracia evidencia como os alemães foram cedendo espaço em temas fundamentais para a sustentação do regime democrático às práticas nazistas. Inaceitáveis na teoria, elas passaram a contar com a anuência tácita das autoridades locais e regionais, o que contribuiu para o crescimento exponencial do movimento naquela cidade. O autor demonstra os efeitos da depressão oriunda das crises da década de 1920 e suas consequencias para a política do KPD (Kommunistiche Partei Deutschlands) e do SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands) além de apresentar como, aos poucos, os agitadores nazistas conseguem roubar as bandeiras dos demais partidos e impor sua visão de mundo. Em uma cidade de 10 mil habitantes ganha destaque, ainda, a forte penetração da ideologia nazista no campo religioso, com ampla maioria de luteranos. Muitos pastores esposam o nazismo como forma de recusar o comunismo ateu e outras ideologias que não davam conta do anseio nacionalista. A segunda parte apresenta ao leitor os mecanismos construídos pelos nazistas para reorganizar a sociedade alemã de acordo com os princípios estabelecidos por Hitler. Além de deixar claro que os espaços para o contraditório foram amplamente atacados e arrasados, o autor destaca como o regime mobilizou a imprensa escrita para este fim. Como uma das fontes utilizadas por William Sheridan Allen é o jornal, ele consegue evidenciar estas alterações de maneira bastante contundente e clara. Ele lembra, neste caso, que "os nazistas se aproveitavam do fato de que aquilo que o homem acredita é mais importante do que o que realmente acontece". Uma outra contribuição essencial da obra de Allen é explicar ao leitor como a Gleichschaltung foi aplicada, na prática. Eliminar todas as antigas organizações de classe que existiam antes da chegada do nazismo ao poder foi uma das estratégias utilizadas pelos novos mandatários que, em seis meses, destruíram todas elas e criaram outras, nacional-socialistas, às quais todos deveriam fazer parte. O autor destaca que "nenhuma das medidas nazistas nos primeiros seis meses do Terceiro Reich teve efeito final maior que a Gleichschaltung" e que o resultado eram os "thalburguenses transformados na espécie de massa desorganizada que os ditadores adoram". Ao elaborar o roteiro dos ataques nazistas às organizações de classe, o autor mostra, por exemplo, como uma delas, a dos professores, foi cooptada para os fins pedagógicos da ideologia na escola. A obra traça um panorama completo não apenas da violência imposta aos opositores mas também da vibração dos moradores com os resultados econômicos positivos dos primeiros anos do regime. Ao final, Allen deixa uma mensagem que compartilho com vocês: "O problema do nazismo era primariamente um problema de percepção. A este respeito, as dificuldades de Thalburg, e o destino de Thalburg deverão possivelmente ser compartilhados por outros  homens, em outras cidades, nas mesmas circunstâncias. O remédio não será encontrado facilmente". 

quarta-feira, 13 de maio de 2020

As Benevolentes, de Jonathan Littell


Um livro arrebatador. Escrito em primeira pessoa, a obra desperta várias emoções nos leitores. Do ódio extremo ao nojo absoluto. As comparações com o livro de Tolstoi, Guerra e Paz, fazem todo sentido pois que aqui é possível acompanhar todo o desenrolar do conflito teuto-soviético entre os anos 1941 e 1945 do século passado. Trata-se de acompanhar, portanto, não apenas as estratégias da Wehrmacht para a invasão e ocupação da URSS. Mas, principalmente, de vislumbrar, a partir de um ponto de vista inédito, a perpretação dos crimes contra a humanidade efetuados pelos alemães em suas ações circunscritas na Endlösung, ou solução final do problema judaico no leste europeu. Os capítulos tem títulos que evocam música e esses ritmos se misturam às sensações que os leitores experimentam ao longo das quase novecentas páginas do livro. É certamente uma leitura essencial para todos os que se debruçam sobre o tema da guerra pois permite que reflita-se sobre os inúmeros casos de alemães que vivenciaram semelhante destino ou tiveram igual sorte. Riquíssima é também não apenas as descrições dos ambientes e das cidades elaborados pelo autor mas também as características psicológicas dos personagens e seus sofrimentos diante da guerra. Max Aue, personagem principal, foi construído magistralmente por Jonathan Littell e suas revelações ao longo do livro explicitam os embates morais de parte da humanidade envolvida nas trevas de um conflito que parecia sem fim. No limite, em diversas ocasiões, fica nítido como a guerra não poupa ninguém e que, incontáveis vezes, é apenas a sorte quem coloca a pessoa certa no lugar certo. Um percurso permeado por descobertas, do início ao fim, a obra termina por arrancar o leitor de um possível final clichê para o oposto disso: uma inflexão moral sem precedentes. É um livro aterrador e arrebatador. Uma leitura que merece ser feita lentamente para que tentemos refletir sobre tudo o que esse homem da SS tem a dizer. Dura lição do século XX aos amantes do progresso e da paz!