segunda-feira, 21 de abril de 2025

MODERNIDADE E HOLOCAUSTO, de Zygmunt Bauman

 




Um livro perturbador. Necessário. Poderoso. Especialmente no que se refere às mistificações todas presentes no tema aqui debatido, Bauman é incisivo em destruir cada pilar que sustenta, até hoje por sinal, as fake news e as convenientes acomodações da memória. O sociológo polonês discorre sobre o Holocausto e sua relação com a Modernidade em sete capítulos e finaliza a obra com uma pós-reflexão, na qual aborda a racionalidade e a vergonha. Ainda que o leitor especializado tenha lido a quase totalidade dos autores citados aqui, ainda que tenha familiaridade com a historiografia do holocausto mesmo assim, o brilhantismo e as questões certeiras levantadas por Bauman enriquecem sobremaneira o estudo sobre o tema e, sobretudo, lança luz sobre questões pouco abordadas tanto na História quanto nas disciplinas irmãs, como a Sociologia e a Antropologia. Os estudos sobre a natureza social do mal, a retomada que o autor faz dos apontamentos de Hannah Arendt, e a discussão sobre a moralidade são o ponto alto do livro. Um exemplo que pode ser citado e que de certa forma sintetiza toda a obra é o da discussão sobre o caminhão que deveria ser utilizado para o assassínio de judeus em territórios soviéticos. Citando Christopher Browning, o autor destaca: Um caminhão menor, totalmente carregado, poderia operar muito mais rápido. Uma redução do compartimento traseiro não afetaria prejudicialmente o equilíbrio de peso, sobrecarregando o eixo dianteiro, porque 'na verdade ocorre automaticamente uma correção na distribuição de peso pelo fato de que a carga, na sua luta para abrir a porta traseira durante a operação, situa-se preponderantemente ali'. Pelo fato de que o tubo de conexão logo se enferrujava com os 'fluidos', o gás deveria ser introduzido de cima, não de baixo. Para facilitar a limpeza, deveria ser feito um orifício de oito a doze polegadas no chão, com uma tampa aberta por fora. O chão deveria ser ligeiramente inclinado e a tampa equipada com uma pequena peneira. Assim, todos os 'fluidos' fluiriam para o meio, os 'fluidos finos' sairiam ainda durante a operação e os 'mais espessos' poderiam ser tirados com mangueira depois...Bauman inicia o livro afirmando que foi o assombro trazido pela obra Inverno na Manhã, de sua companheira Janina Bauman, que o trouxe para o campo traumático dos estudos sobre o Holocausto. Ao finalizar o livro, o leitor tem a convicção de que ao debruçar-se sobre a temática, o sociólogo polonês contribuiu de forma magistral para os estudos sobre o período. Seja continuando discussões de grandes nomes desde debate, seja por lançar novas e perturbadoras questões, a obra Modernidade e Holocausto torna-se incontornável para leigos e estudantes da área de ciências humanas.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

NECROPOLÍTICA, de Achille Mbembe


Um ensaio de setenta páginas. Uma ideia a explicar. E por meio dela, perpassam diversas teorias e conceitos complexos das Ciências Humanas. Tal é o resultado da reflexão que Achille Mbembe propõe nesta obra fundamental para a compreensão da modernidade. O autor, que dialoga com a filosofia de Hegel e avança até Guatarri, discorre sobre a necropolítica a partir da conjugação de um tríplice olhar: o primeiro sobre o conceito de biopoder, de Foucault; o segundo sobre o estado de exceção e, por último, sobre o Estado de sítio. O arcabouço dessa perspectiva discorre sobre os acontecimentos político-sociais que se ampliam desde a Colonização até o Campo de Extermínio nazista e nas questões envolvendo palestinos e israelenses na contemporaneidade. No que se refere ao mundo colonial, o autor destaca que o sistema de plantation impõe ao escravo "uma tripla perda: perda de um 'lar', perda de direitos sobre seu corpo e perda de estatuto político". A partir de análises com essa densidade, é possível recorrer à historiografia do Brasil Colonial e estabelecer inúmeros diálogos com o livro de Mbembe. No que se refere à temática dos Campos de Concentração nazista, ainda que o autor deixe claro que eles não seriam o ponto fulcral da obra, há uma rica discussão sobre as rupturas e permanências presentes na construção deste espaço para a morte, dialogando com autores como Saul Friedlander, Enzo Traverso e Hannah Arendt. O diálogo com a produção acadêmica de temas tão diversos quanto o Atlântico negro e o Holocausto tornam o livro de Mbembe uma referência essencial no campo de estudo das políticas para o assassínio,  forjadoras da modernidade. 

terça-feira, 31 de agosto de 2021

1939: contagem regressiva para a guerra, de Richard Overy

Um livro essencial para quem deseja reviver, dia a dia, instante a instante a atmosfera de elevada pressão que antecedeu à eclosão da Segunda Guerra Mundial. O autor, renomado pesquisador sobre o período, elenca nos capítulos, as tomadas de decisões dos diferentes líderes envolvidos na escalada para o conflito bem como delineia a intensa teia de interesses que atravessa cada uma das nações. No panorama reconstruído por Overy, Hitler, Chamberlain, Daladier, Stalin e Beck (dentre outros líderes poloneses) são mostrados ao leitor com todas as suas características e objetivos principais. O autor não hesita em destacar cada uma das lideranças dentro dos contextos de crise e evidencia como cada um deles trata a situação analisada. O autor divide o livro em capítulo curtos, cada um deles tomando um espaço de alguns dias (24-26; 27-31; 1-3; 3) e uma conclusão que questiona: Por que a guerra? A pequena obra conta ainda com rica bibliografia que auxilia o leitor que deseja conhecer melhor esse período histórico tão profundo em transformações e arranjos-rearranjos políticos. O que se vê, ao longo destes poucos dias, é uma intensa negociação que perpassa todas as instituições das nações envolvidas bem como, não raras vezes, a atuação de indivíduos que buscam, sozinhos, uma mediação para os mais distintos interesses em jogo. O cenário para o desenvolvimento do drama, é o destino da Polônia, Estado recriado pelos vencedores no pós-guerra e a quem Hitler ameaça com uma invasão ao exigir a incorporação ao Reich da cidade livre de Danzig. O livro, apesar de curto, toca em pontos sensíveis para a historiografia do período e enfrenta com muita clareza os debates entre aqueles que acreditavam que Hitler desejava criar um império mundial ou uma área de influência à leste às expensas da URSS, tese à qual Overy se filia. Sobre o destino da Polônia, o autor apresenta uma das melhores sínteses: "A verdade gradualmente ficou clara para a liderança polonesa: o Ocidente jamais pretendera lutar em sua defesa", e sentencia, de maneira brilhante: "Como se viu depois, a Polônia foi traída pela guerra assim como a Tchecoslováquia foi traída pela paz". 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

La Dictadura Nazi: problemas y perspectivas de interpretación

O livro do historiador britânico Ian Kershaw é um excelente guia para os interessados neste tema tão complexo que é o nazismo e seus significados. A obra é composta por dez capítulos que versam sobre questões diversas do regime tais como: a essência do nazismo: uma forma de fascismo, um tipo de totalitarismo ou um fenômeno único? ou ainda, Hitler e o Holocausto...Kershaw não se furta também a inserir um debate sobre as perspectivas historiográficas no período posterior à unificação para apresentar aos leitores as mudanças de perspectivas de análise ocorridas ao longo do tempo. Os pontos discutidos por Kershaw nesta obra a torna uma leitura indispensável aos estudantes do século XX pois eles se relacionam com os fenômenos que marcaram os anos 1930 e 1940 cujas consequencias se fazem sentir até a atualidade. Sobretudo merece destaque a densa e rica bibliografia comentada pelo autor ao longo do trabalho e suas notas sobre os assuntos em debate. Os problemas e as perspectivas de interpretação deste movimento político são elencados e esclarecidos pelo estudioso que não deixa de apontar qual o caminho ele pensa ser o menos controverso para o enfrentamento dos objetos de pesquisa que se vinculam ao regime alemão. Longe de tentar apreender os acontecimentos por meio de uma chave de análise simplista, Kershaw discorre sobre os intrincados eventos recordando que "a questão de distribuir culpas, pois, ofusca a verdadeira pergunta que o historiador tem que responder: precisamente como foi que o genocídio chegou a ocorrer, como foi que um ódio desequilibrado, paranóide e uma visão milenar se converteu em realidade e foi implementada como horrível prática de governo". Uma vez mais, são as perguntas e não as respostas a chave para a interpretação deste período histórico. Enfrentar os como, os de que maneira, os caminhos da técnica são os desafios de quem se debruça sobre este momento na história contemporânea. Que tenhamos sempre um guia seguro como este livro para suscitar estas questões mobilizadoras! 

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Negação, de Deborah E. Lipstadt

  Imagine ter que provar que o Holocausto existiu, nas barras dos tribunais. Esta é a história real contada neste livro e em um filme de igual nome lançado há algum tempo. O livro narra o embate que colocou frente à frente David Irving, um dos maiores especialistas em algumas temáticas da Segunda Guerra Mundial e a professora Deborah E. Lipstadt, docente de Judaísmo Moderno e diretora do Institute for Jewish Studies, da Universidade Emory. O que estava em jogo neste julgamento que aconteceu na Inglaterra - onde, pasmem, o réu precisa apresentar as provas daquilo que escreveu - era não apenas se o texto da professora Lipstadt que tratava do Holocausto era real mas também sobre o movimento negacionista desse acontecimento histórico. Ao longo do século XX, em várias ocasiões o negacionismo, ou seja, o movimento que afirmava que o Holocausto não teria ocorrido, mostrara sua face. O processo que colocava frente a frente os dois professores era também, de certa forma, uma avaliação sobre um acontecimento histórico e sua representatividade ao longo do tempo! Testemunhas foram convocadas para depor a favor de Irving e de Deborah, o que transformou o tribunal numa espécie de sala de debates de estudos europeus sobre a solução final. Por horas a fio, grandes nomes da historiografia da Endlösung como Christopher Browning e Richard Evans discutiram com David Irving ponto a ponto das estratégias dos alemães para o assassínio bem como desmontaram sua versão sobre os fatos. O veredito do juiz, transcrito pela vitoriosa professora, deixa claro o peso que o relato dos peritos no tema teve para balizar a decisão: "O tratamento dispensado por Irving às provas históricas é tão perverso e flagrante que se torna difícil aceitar que sejam inadvertências de sua parte. (...) Ele deliberadamente perverteu as provas para adequá-las às suas convicções políticas". A vitória de Lipstadt no processo longe simboliza uma condenação severa aos negacionistas. Contudo, na contemporaneidade, não se pode esquecer que um terço das pessoas dizem nunca ter ouvido falar neste tema. Por isso, guardar os relatos dos sobreviventes e retomar as temáticas referentes à este período histórico são fundamentais para que, ainda que reste apenas um testemunho, como disse certa vez o historiador italiano Carlo Ginzburg, possamos restabelecer os indícios que dão conta de uma das páginas mais perturbadoras da história contemporânea.